quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

CÉU DE BRIGADEIRO PARA AS PRIVATIZAÇÕES

por Plínio Erickson*:














"Considerando os danos causados pelas privatizações à sociedade e aos trabalhadores brasileiros, a postura de um governo “de esquerda”, como o nosso, deveria ser a de engavetar os programas neoliberais. Porém, contrariando o esperado, estes projetos continuam a todo vapor, com diversas privatizações – com destaque para as dos aeroportos, um contrassenso do que sempre defendeu o Partido dos Trabalhadores e do que a Presidente da República Dilma Rousseff pregou em sua campanha eleitoral.

Houve várias tentativas de privatizar a Infraero (Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária). Porém, houve entraves ao processo, tais como: a resistência da Aeronáutica ao projeto, principalmente em aeroportos onde existem bases militares; o fato de os aeroportos serem considerados áreas de fronteiras, o que poderia implicar riscos à soberania nacional; e principalmente o fato de a grande maioria dos aeroportos serem deficitários e dependentes. Poucos são altamente rentáveis, e a iniciativa privada sempre demonstrou interesse apenas pelos lucrativos, ficando a incógnita sobre como manter os demais.

A Infraero é uma empresa pública nacional com 38 anos de existência, que administra com recursos próprios 67 aeroportos, 69 grupamentos de navegação aérea, 51 unidades técnicas de aeronavegação, e 34 terminais de logística de carga. Estes aeroportos atendem a padrões internacionais e concentram 97% do transporte aéreo do Brasil. A rede administrada pela Infraero é mantida com recursos de aproximadamente 15 aeroportos altamente rentáveis; os demais são deficitários e necessitam de subsídios, mas são necessários, pois auxiliam a navegação aérea e servem de posto avançado e estratégico das Forças Armadas na manutenção da soberania nacional. Outros servem para a integração de um país com dimensões continentais como o Brasil. Além disso, parte dos recursos arrecadados pela Infraero é destinada ao Comando da Aeronáutica e ao Tesouro Nacional.

A Infraero é reconhecida internacionalmente pela excelência em administração aeroportuária, e foi cogitada para administrar aeroportos em outros países, dado o seu renome internacional – o que seria formidável, pois traria divisas ao Brasil.

Após o acidente da companhia aérea Gol em 2006, deflagrou- se uma crise no setor aéreo, amplamente divulgada pela imprensa com o nome de “apagão aéreo”. A grande mídia atacou exaustivamente a empresa, atribuindo somente à Infraero responsabilidade pelo conjunto de problemas do setor aéreo. No entanto, muitos destes problemas não diziam respeito à estatal; outros órgãos públicos e privados, como as companhias aéreas, foramresponsáveis por boa parte dos problemas, fruto de um ambiente com regulação e fiscalização frouxa, principalmente por omissão da ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil), que regula o setor e o fazia de forma branda.

Sob os argumentos de atender à alta demanda interna; resolver o problema da falta de recursos; melhorar a gestão da Infraero, tornando-a mais atrativa para abertura de capital; e concluir a infraestrutura necessária para a realização da Copa do Mundo de 2014 e Olimpíadas de 2016, o governo federal decidiu a princípio privatizar quatro aeroportos, tornando a Infraero sócia minoritária nestas unidades, perdendo o poder de decisão para o investidor privado.

Estas privatizações têm como pré-requisito a participação de grupos estrangeiros na sociedade, pois assim condiciona o edital ao exigir experiência em administração aeroportuária, e no Brasil somente a própria Infraero atende a esse requisito. Outro fato de relevada importância é que a compra é financiada com dinheiro público, através do BNDES, em até 80% da aquisição.

O aeroporto de São Gonçalo do Amarante, em Natal (RN), que está em fase de construção e substituirá o atual aeroporto Augusto Severo, foi o primeiro escolhido para privatização. A escolha não foi por acaso: por ser um aeroporto em construção, a rejeição dos trabalhadores e da sociedade seria menor. Além disso, São Gonçalo do Amarante possui um enorme potencial turístico e será um dos grandes aeroportos de cargas deste país, pois será a porta de entrada do Nordeste para mercadorias de alto valor agregado (característica da carga do modal aéreo), devido à sua localização privilegiada, no ponto mais próximo do Brasil com EUA e Europa.

Na sequência de São Gonçalo do Amarante, foram privatizados os aeroportos de Brasília, Guarulhos e Campinas, três dos maiores e mais rentáveis aeroportos do país, responsáveis por cerca de 70% da receita de toda a rede administrada pela Infraero. Retirar da Infraero estas unidades vai deixar toda a rede dependente de recursos do Tesouro Nacional. Portanto, passam a disputar os já escassos recursos da saúde, educação, cultura etc.

O momento não poderia ser mais oportuno e favorável: depois da sabatina da grande mídia e com a enorme demanda, a falta de oposição de centrais sindicais, sindicatos, e partidos políticos, e a realização da Copa e Olimpíadas, o céu está de brigadeiro para a privatização dos aeroportos, algo que nem o governo Fernando Henrique Cardoso conseguiu fazer.

O problema da Infraero é que a empresa durante muito tempo foi mal gerida, carregando em seu quadro diversos apadrinhados políticos em cargos de confiança, sem falar nos supostos esquemas de corrupção. Porém, mesmo mal gerida, a Infraero administra a rede aeroportuária com recursos próprios, sem depender da União; contudo, os avanços conquistados pelo governo Lula – o crescimento econômico do país, a redução da pobreza e desigualdade social – proporcionaram a ascensão econômica da população e o acesso desta ao transporte aéreo. Somando-se a isso a facilidade de pagamento das passagens e a queda de preços estimulada pela concorrência, naturalmente houve uma explosão da demanda por transporte aéreo.

A demanda por transporte aéreo no mundo cresce 5% ao ano, enquanto no Brasil este crescimento é em torno de 10% ao ano. O grande desafio é ampliar a infraestrutura aeroportuária, que é onerosa, a tempo de atender a enorme demanda. O governo federal sabe que a solução do problema envolve principalmente melhorar a gestão dos aeroportos e regulamentar o setor, e já vem intervindo com atitudes que já deveriam ter sido tomadas há muito tempo.

A primeira grande medida para reorganizar o setor aéreo foi a criação da SAC (Secretaria de Aviação Civil), à qual passaram a estar vinculadas a ANAC e Infraero. Outras medidas efetivas foram: a criação da Conaero (Comissão Nacional de Autoridades Aeroportuárias), com a finalidade de coordenar diversos órgãos que atuam nos aeroportos; a criação dos CGAs (Centros de Gerenciamento Aeroportuário); as campanhas da Infraero para orientar os passageiros; a criação de postos de juizados especiais nos aeroportos, para passageiros que tenham problemas com as companhias aéreas; a flexibilização das licitações para as obras da Copa e que valem para os aeroportos através do RDC (Regime Diferenciado de Contratações); a criação do passaporte eletrônico, que agilizará a fiscalização feita pela Polícia Federal; a resolução 196 da ANAC, que obriga companhias aéreas que atendam mais de 500 mil passageiros por ano a manter postos de atendimento presencial nos aeroportos para receber reclamações de seus clientes; e a dispensa da declaração de bagagem pela Receita Federal.

Seria realmente necessária a privatização dos aeroportos depois de todas estas medidas? Será que o mérito destas ações e seus resultados serão atribuídos às privatizações? Por que privatizar somente os aeroportos rentáveis e não em blocos de rentáveis com deficitários? A necessidade de capital privado para fazer frente aos investimentos necessários é justificável, porém não poderia ser feito através da abertura de capital da Infraero, trazendo inerente a esse modelo de sociedade as melhores práticas de gestão e mantendo a possibilidade de a Infraero administrar aeroportos fora do Brasil, angariando divisas para o país? Se o BNDES pode financiar 80% da compra dos aeroportos para grupos estrangeiros, porque não pode financiar os investimentos necessários?

A privatização dos aeroportos pode acarretar diversos problemas, sendo os principais a evasão de divisas que poderiam modernizar toda a nossa rede de aeroportos; a precarização para os trabalhadores; o risco à soberania nacional, pois podemos ser invadidos pelos aeroportos; e o risco de ações terroristas e de entrada de drogas e armas pelos aeroportos.

Além disso, com a ausência do Estado como administrador, perdemos o princípio da isonomia, pelo qual todos têm o mesmo tratamento, independente da condição financeira. O administrador privado tende a aumentar os preços que estão sob sua autonomia e pressionar o governo para que faça o mesmo com as tarifas que são reguladas pela ANAC, para conter a demanda, que é maior que a capacidade instalada, fazendo com que as classes C e D da população voltem para as rodoviárias. Acabará o incentivo às empresas brasileiras exportadoras via modal aéreo, que pagam preços irrisórios à Infraero para utilizar seus terminais de carga. Diversos programas sociais mantidos pela Infraero para as comunidades em torno dos aeroportos deixarão de existir; as comunidades em torno dos aeroportos leiloados correm o risco de ser desapropriadas pelos investidores através da Justiça. E deixará de existir a distribuição de renda proporcionada pela manutenção da rede de 67 aeroportos.

O empenho do governo federal para tornar este investimento ainda mais interessante para os investidores é tanto que criou condições para que o lucro dos interessados seja maior ainda. Esta postura ficou evidente com a criação da taxa de conexão em Brasília, para tornar o aeroporto atrativo, e com o fato de o governo federal abrir mão de parte de suas receitas nas tarifas aeroportuárias em favor dos operadores dos aeroportos. E o pior de tudo! Em um cenário de crise, onde a Espanha suspende a privatização de seus aeroportos pelo momento ser claramente desfavorável.

* Plínio Erickson é administrador de empresas, técnico em logística, aeroportuário e membro do CCPI (Comitê Contra a Privatização da Infraero)".




terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

GOVERNO ENTREGA AEROPORTOS AO CAPITAL ESTRANGEIRO

por Paulo Roberto Krobath















"Deputado Federal Ivan Valente:

Senhor Presidente, senhoras e senhores Deputados,

Nesta segunda-feira, mais um setor público estratégico para o desenvolvimento do país foi entregue ao capital estrangeiro. Contrariando seu discurso de campanha, a presidenta Dilma Rousseff privatizou os três maiores e mais rentáveis aeroportos do país: Cumbica, Viracopos e Brasília, que respondem, juntos por 30% dos passageiros, 57% do volume de cargas e 19% das aeronaves que passam pelos terminais brasileiros. Juntos os três aeroportos também são responsáveis por 70% do faturamento da Infraero, sustentando a rede de aeroportos regionais em operação em todo o país.

A justificativa do governo é a de que não havia caixa no orçamento público para garantir os investimentos nos três aeroportos na velocidade necessária para a Copa de 2014. O que não se diz é que foi o dinheiro público, através do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que financiou a privatização, emprestando aos compradores internacionais para que estes participassem do leilão desta segunda-feira. Oras, se o BNDES estava disposto a fazer empréstimos para financiar investimentos nos aeroportos, por que não fazer isso através da Infraero, uma empresa pública, estatal, que administra 66 aeroportos no país? O papel de um banco como este é ajudar o desenvolvimento do país e a iniciativa privada e estrangeira?

Também não se explica como a Infraero agora subsidiará investimentos nos demais aeroportos do país, a maioria deficitária. Hoje, apenas cerca de 20 aeroportos do país são rentáveis e mantém os demais com repasse de verba, no esquema de subsídios cruzados, diminuindo as desigualdades regionais e sociais do país. Ou seja, até agora, a lucratividade – crescente, vale lembrar – de Cumbica, Viracopos e Brasília era fundamental para manter todo o sistema aéreo em bom funcionamento no país. Como o governo pretende enfrentar agora este déficit?

O Planalto diz que, além do valor arrecadado com o leilão, os consórcios recolherão anualmente uma contribuição ao sistema que varia de 2% a 10% da receita bruta de cada aeroporto. Mas essa arrecadação vai para o Fundo Nacional de Aviação Civil (FNAC), que deve destinar recursos a projetos de desenvolvimento e fomento da aviação civil. Sequer o funcionamento do FNAC foi definido; será regulamentado posteriormente por decreto, numa completa falta de transparência sobre a utilização desses recursos. Ou seja, esse dinheiro não vai para a Infraero, senhor Presidente, e os demais aeroportos seguirão sem o aporte que recebiam anteriormente.

Nem com os recursos que a suposta benéfica privatização dos aeroportos gerará ao país o governo parece estar preocupado. Antes da revisão feita pelo Tribunal de Contas da União nos valores mínimos para leilão dos três terminais, o que se apresentava na Minuta do Edital eram módicas quantias de R$ 2,3 bilhões para Cumbica, R$521 milhões para Viracopos e absurdos R$75 milhões para Brasília.

Há ainda um grande risco para os trabalhadores do setor. O Sindicato Nacional dos Aeroportuários (SINA) tentou barrar o pregão na Justiça, afirmando que o edital do leilão descumpria o acordo firmado com a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) durante a última greve, que garantia a estabilidade dos trabalhadores da Infraero nos terminais privatizados. O contrato de concessão diz apenas que “a concessionária deverá desenvolver um plano de transferência operacional a fim de assegurar uma transição eficaz das operações aeroportuárias”. Ou seja, não há qualquer garantia para os trabalhadores, que precisarão recorrer à Justiça – a mesma que manteve o leilão – caso seus direitos trabalhistas não sejam garantidos, o que há grandes chances de ocorrer. As precarizações e demissões são iminentes. Por isso, já estamos requerendo audiência com o Ministério Público do Trabalho da 10ª Região em Brasília.

Nosso mandato participou inclusive de uma audiência do Comitê Contra as Privatizações de Aeroportos com o Procurador Paulo Gomes, do Ministério Público Federal em Campinas. O MPF está estudando os impactos urbanísticos das privatizações e intervenções motivadas pelos grandes eventos e já levantou uma série de problemas em relação ao aspecto ambiental das obras previstas para estes aeroportos. Em Viracopos, por exemplo, das cerca de 70 medidas previstas para amenizar os impactos ambientais, apenas 2 foram cumpridas até agora. O restante virou “exigência” do processo.

Ao contrário do que afirma a grande imprensa – entusiasta histórica das privatizações no país – sequer os passageiros sairão ganhando com a entrega da Cumbica, Viracopos e Brasília às empresas estrangeiras. Está prevista no contrato de concessões a cobrança de taxas de conexão nesses aeroportos, o que não era feito anteriormente pela Infraero. Alguém duvida que essa taxa será imediatamente repassada pelas companhias aéreas para o preço das passagens, ou seja, para o bolso do consumidor, afetando sobretudo as classes menos favorecidas, que recentemente passaram a utilizar o transporte aéreo? Sobre isso, o cidadão brasileiro não foi consultado, apesar de o país ser signatário de documentos da Organização da Aviação Civil Internacional (OACI) que prevêem a consulta aos usuários de aeroportos em caso de aumento ou criação de novas tarifas.

Vale lembrar que a crise aérea que atingiu o país nos últimos anos foi gerada por problemas causados sobretudo por etapas do transporte de passageiros sob responsabilidade, sobretudo, das empresas aéreas, como overbooking e atrasos no check in. A ANAC, que deveria ter agido de imediato, foi omissa, afetando milhares de pessoas. O que não justifica, no entanto, é usar este tipo de problema para privatizar a gestão e operação dos aeroportos.

Há ainda um risco para a qualidade e segurança das operações, já que o transporte aéreo passará a ser orientado pelo lucro dessas empresas. Lucros estes que serão remetidos para o exterior, em vez de ficarem no mercado brasileiro e gerarem emprego e renda para a nossa população.

Por fim, senhoras e senhores Deputados, toda essa entrega do patrimônio público nacional se dá colocando em risco a própria soberania nacional. O artigo 170 da nossa Constituição Federal é muito claro ao tratar da vulnerabilidade de zonas fronteiriças aéreas. Mas o governo Dilma parece ignorar essa questão, ao passar para as mãos de empresas estrangeiras o controle da entrada de bens e pessoas no país, com o agravante da proximidade da Copa do Mundo e das Olimpíadas, quando o fluxo de cargas e passageiros aumentará significativamente no país sem poder de ingerência do Estado brasileiro nesses aeroportos.

Diante de tamanhos problemas, não é possível achar que o país fez um bom negócio ao privatizar seus três principais aeroportos. A aviação nacional está em plena ascensão. Em 2011, os terminais de cargas registraram um aumento de 5,4% em seu volume transportado. Viracopos teve um aumento de 35,9%, e Cumbica, de 28%. Mas o governo Dilma preferiu fechar os olhos e se livrar de um suposto futuro problema, com a chegada da Copa de 14.

Saiu perdendo o país como um todo, que entregou de bandeja mais uma vez seu patrimônio público para estrangeiros, com prejuízos para os trabalhadores e os consumidores, e riscos à soberania nacional.

Muito obrigado.

Ivan Valente
Deputado Federal PSOL/SP"