Por MAURO
A. LORENZON
Em 06/02/2012 foram privatizados os aeroportos de Campinas (Viracopos), Guarulhos (Governador André Franco Montoro/Cumbica) e Brasília (Presidente Juscelino Kubitschek), os três maiores e mais rentáveis aeroportos da rede Infraero, pois inclusos no Programa Nacional de Desestatização – PND, por decreto presidencial, mesmo após advertências apresentadas pela sociedade civil, em audiência pública, realizada pela ANAC (Nº 16/2011) e por e-mails a ela direcionados, inclusive de entidades internacionais como a Associação Internacional de Transportadores Aéreos – IATA, sobre as implicações observadas em diversos países do mundo, onde processos da mesma natureza ocorreram, implicando em sua maioria em aumento considerável das tarifas aeroportuárias pela iniciativa privada; os próprios trabalhadores, organizados no Comitê Contra a Privatização da Infraero – CCPI, realizaram representações junto ao Ministério Público Federal – MPF e Ministério Público do Trabalho – MPT, denunciando as irregularidades e consequências negativas do processo à população e à categoria aeroportuária, além de ingressarem, enquanto cidadãos, com ação popular, em Campinas/SP, para impedir o leilão.
Resta
claro a inobservância – pelo governo federal – de princípios elencados no
artigo 170 da Constituição Federal, para a preservação do interesse público,
dentre eles: soberania nacional; defesa do consumidor e do meio ambiente;
redução das desigualdades regionais e sociais; busca do pleno emprego;
tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as
leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País etc.
Ora, o
edital previa uma experiência mínima em movimentação de passageiros/ano e
nenhuma empresa nacional atendia esse requisito, tanto que os consórcios foram
constituídos com empresas estrangeiras, ainda que com participação acionária
mínima, empresas essas que atuarão em zona primária de fronteira do nosso país,
pondo em risco a soberania e segurança nacionais. Não foi exigido no edital
movimentação mínima de tonelagem de carga/ano, criando um impasse para o país,
já que os vencedores do leilão não possuem experiência nessa área de negócio
(logística), enquanto a Infraero é detentora de prêmio internacional por
excelência em gestão da carga aérea.
Não
bastasse tudo isso, a vida pregressa das empresas participantes e vencedoras do
leilão não foi levada em consideração no processo, ou seja, sua idoneidade,
tanto que um dia após a efetivação do leilão, grandes veículos de comunicação
revelaram o descumprimento de obrigações contratuais pelos integrantes dos
consórcios dentro e fora do país, em contratos firmados com o poder público.
Situação agravante se deu em Viracopos/Campinas, onde o poder público firmou
contrato com empresas integrantes do consórcio Aeroportos Brasil Viracopos,
levantadas na CPMI do Carlinhos Cachoeira como suspeitas de serem laranjas da
Delta, sem prévia e rigorosa investigação a respeito, assumindo o risco de
causar prejuízo ao erário e ferindo princípios basilares de nossa Constituição
Federal: legalidade, moralidade, razoabilidade etc.
Enfim,
consumou-se a privatização de forma atropelada, em seis meses, sem o
planejamento necessário, com estudo de impacto e de resultados, sem a
participação efetiva da população no aspecto político, seja por referendo ou
plebiscito, com posterior “arrependimento” do governo federal, que inclusive
assumiu publicamente o erro cometido com o modelo adotado, muito embora
houvesse alternativas para a tomada de decisão, tais como a abertura de capital
da Infraero, onde a empresa pública federal, responsável pela infraestrutura
aeroportuária, figuraria como majoritária no negócio; também havia a
possibilidade do governo federal adotar a Parceria Público Privada – PPP.
Não
podemos deixar de considerar que o valor do arremate em leilão dos alusivos
aeroportos federais sofreu um ágio, chegando a 24,5 bilhões de reais,
importância que daria para construir três aeroportos iguais ao de Pequim, na
China, começando do zero.
Agora,
simplesmente, vem o governo federal e assume um erro sobre algo previsível e
fica tudo por isso mesmo? Quem pagará a conta?
Sabemos
que 80% dos investimentos virão do BNDES e 13% dos fundos de pensão do Banco do
Brasil, Caixa Econômica Federal e Petros, com juros subsidiadíssimos, coisa de
pai para filho, o que fica até difícil de entender: vender o patrimônio público
para pagar com dinheiro público, sem contar que a Infraero figura como
acionária em 49% e também deverá investir proporcionalmente sobre aquilo que já
era seu enquanto empresa pública! Não poderia a empresa pública federal
emprestar do BNDES para o desenvolvimento do país na área de infraestrutura
aeroportuária?
O fato é
que nada mudou nos aeroportos e aquele caos aéreo, apresentado nos telejornais,
já não existe mais, e como num passe de mágica está tudo normalizado, segundo o
governo federal. Muitas das informações negativas do apagão aéreo, atribuídas à
Infraero, não eram de sua responsabilidade, a exemplo do overbooking, de
responsabilidade das Cias. Aéreas, e das filas em check in, causadas por omissão
da própria ANAC em regular o setor da aviação civil, que demorou em adotar a
medida de compartilhamento de estações de check
in, sugerida pela própria Infraero.
Contudo,
parece-nos ter havido um esforço desmedido para justificar a privatização, sem
contar anos a fio da prática de apadrinhamentos políticos, em cargos
estratégicos da Infraero, com pessoas geralmente descomprometidas com a
organização e sem competência técnica-científica para alavancarem a empresa ao
patamar necessário, em atendimento à demanda de infraestrutura aeroportuária no
Brasil, para o presente e para o futuro, o que deveria ser pensado, planejado e executado a médio-longo prazo.
O
Sindicato Nacional dos Aeroportuários – SINA, antes mesmo de se consumar a
privatização dos aeroportos federais em comento, já havia proposto alteração
estatutária da entidade sindical perante o Oficial de Registro de Imóveis,
Títulos e Documentos e do Registro Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de
Guarulhos, inclusive de seu nome, para Sindicato Nacional dos Empregados em
Empresas Administradoras de Aeroportos, visando à representação dos empregados
em empresas públicas e privadas administradoras de aeroportos, o que denota
conhecimento prévio da privatização e atuação facilitadora do processo,
corroborada pelo interesse claro em extinguir a greve dos trabalhadores em
outubro de 2011, ocasião em que os aeroportuários exigiam um posicionamento do
governo federal em não adotar medidas privatistas.
A
privatização é uma realidade, um fato consumo, embora questionável
juridicamente e politicamente, onde o governo federal assumiu um enorme risco
de aumentar as desigualdades regionais e sociais do Brasil, em razão da
interrupção dos subsídios cruzados, ou seja, do repasse de verbas dos
aeroportos superavitários para os deficitários, fragilizando a própria
sistemática de integração territorial de um país de dimensões continentais.
É natural
que entregando os maiores e mais rentáveis aeroportos federais para a
iniciativa privada, responsáveis por 70% da arrecadação, a rede aeroportuária
gerida pela Infraero, ficaria fragilizada, e isso era previsível, tornando-se
inadmissível a aceitação da justificativa do governo federal de que se tratou
apenas de um erro e não de ato premeditado, passível de investigação rigorosa
pela Polícia Federal e pelo MPF, com o devido encaminhamento ao Poder
Judiciário para julgamento e condenação dos responsáveis, além de anulação do
negócio jurídico em prol do interesse público e ressarcimento ao erário.
Recentemente,
em entrevista intitulada "A Infraero precisa de choque de gestão",
datada de 06/10/2012, o professor de transporte aéreo da Coppe (Instituto
Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia) da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Elton Fernandes, afirma estar perplexo com as
improvisações do governo nos aeroportos, pois com o modelo escolhido para os
três primeiros aeroportos licitados, a gestora dos aeroportos, hoje
superavitária, deve passar a ter deficit a partir do ano que vem. Fernandes diz
ainda que o governo não conseguirá um administrador internacional que transfira
tecnologia para a Infraero e defende um choque de gestão na estatal, ou seja, o
melhor modelo seria ter uma boa gestão pela própria Infraero.
O que se
sabe é que o governo ainda não definiu qual modelo será adotado para Galeão
(Rio) e Confins (Belo Horizonte) e, segundo o Prof. Fernandes, ainda que
conceda os dois aeroportos, se não melhorar a gestão da Infraero, será um
desastre, porque o transporte não se dá somente entre os aeroportos concedidos,
ou a conceder, mas em conjunto com todos os outros; ainda na opinião do Prof.
Fernandes as empresas vão pegar dinheiro público e pagar esses compromissos
todos (outorga, investimentos) e esperar a receita entrar para saldarem suas
dívidas. Não é o dinheiro do governo de qualquer forma? “A privatização da Infraero é
impossível de ser feita, porque grande parte dos aeroportos brasileiros é
deficitária. Seria necessário um choque de gestão bastante forte na Infraero
para mudar essa configuração. Não melhorar a Infraero é um absurdo.”, diz
Fernandes.
Quanto à
situação dos trabalhadores, o que se sabe é que o governo federal se pauta em
acordos firmados entre o SINA, a Infraero e a SAC, cuja aprovação fugiu ao
razoável, justamente pela deliberação ter ocorrido a nível nacional, quando
deveria ficar restrita aos aeroportos privatizados, aos aeroportuários
atingidos pela medida governamental, o que implicou em denúncia destes ao MPT.
As
concessionárias realizaram, em meados de julho/2012, uma série de palestras
junto aos trabalhadores, em cada um dos aeroportos privatizados, para
apresentar seus megaprojetos e suas intenções, evento em que estavam presentes
representantes da alta direção da Infraero (superintendentes, gerentes etc.) e representantes
do SINA, enfatizando que migrar para as concessionárias seria a melhor solução,
a mais viável.
Para
nosso espanto, em 20/09/2012, o SINA publica em seu site, no espaço
“Turbulência”, uma matéria orientando os trabalhadores a não aceitarem o
convite das concessionárias, haja vista o fato delas terem recebido minuta de
acordo coletivo de trabalho e, mesmo após um mês, não manifestarem disposição
em negociar.
Fato é
que não basta ao aeroportuário querer ser transferido para a concessionária,
pois precisa aguardar se receberá o convite do novo gestor do aeroporto
privatizado, gestor este que não possui a experiência da Infraero em operação
de aeroportos, nas diversas áreas de negócio e de suporte de uma dependência
aeroportuária (operações, segurança, comercial, logística de carga aérea,
manutenção etc.), tampouco teve que comprovar experiência em operação com carga
aérea, apenas e tão somente com passageiros e num montante bem insignificante
(cinco milhões de passageiros/ano), frente à realidade atual e vindoura.
O próprio
SINA também revela em seu site, no espaço Turbulência, que apenas 5% dos trabalhadores
mostraram interesse em migrar para as concessionárias, mesmo diante da
possibilidade de adesão ao Programa de Incentivo à Transferência ou
Aposentadoria – PDITA.
Muitos
empregados aguardavam por oportunidades de transferência para outros aeroportos
e a Infraero, recentemente, resolveu divulgar um chamamento, com pouco mais de
1200 vagas para vários cargos, em diversas localidades no Brasil, para as quais
se torna um risco considerável optar, quando já se tornou pública a intenção do
governo federal de revelar seu plano de outorgas dos aeroportos somente após o
2º turno das eleições, por questão meramente política.
E mesmo
sobre o estudo junto ao governo federal para realocação dos empregados em
outros órgãos públicos, a situação continua indefinida, havendo apenas uma
sinalização de que seria possível, só não sabemos se há a predisposição
necessária a isso.
Em suma,
o trabalhador da Infraero, que ingressou na empresa por meio de concurso
público, hoje amarga indefinição quanto ao seu futuro profissional, sendo vítima -
juntamente com sua família - de um processo de entreguismo do
patrimônio público à inciativa privada, ao qual não deu causa. É o prêmio que
recebe por ter ajudado a construir a terceira maior e melhor empresa gestora de
aeroportos do mundo, com a maioria de seus aeroportos certificados pela NBR ISO
9001, além de outras certificações como a conferida ao Aeroporto Internacional
de Viracopos/Campinas, em reconhecimento a Excelência da Carga Aérea.
Na
realidade, sabemos que a Infraero não se extinguiu enquanto empresa pública
federal e que irá continuar atuando nos aeroportos privatizados, sendo
detentora de 49% das ações do negócio aeroportuário, ou seja, seria
perfeitamente possível manter os trabalhadores atuando em Viracopos, Guarulhos
e Brasília, se quisessem, mas pagamos hoje o preço de um ato inconseqüente do governo
federal, de tamanha irresponsabilidade para com os aeroportuários, somado a
postura omissiva de uma entidade sindical patronal e dos próprios trabalhadores, em sua maioria.
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