quinta-feira, 25 de outubro de 2012

CONSIDERAÇÕES AO PROCESSO DE PRIVATIZAÇÃO DOS AEROPORTOS FEDERAIS E SUAS IMPLICAÇÕES AO CIDADÃO E AO TRABALHADOR AEROPORTUÁRIO – OUTUBRO/2012




Por MAURO A. LORENZON

Em 06/02/2012 foram privatizados os aeroportos de Campinas (Viracopos), Guarulhos (Governador André Franco Montoro/Cumbica) e Brasília (Presidente Juscelino Kubitschek), os três maiores e mais rentáveis aeroportos da rede Infraero, pois inclusos no Programa Nacional de Desestatização – PND, por decreto presidencial, mesmo após advertências apresentadas pela sociedade civil, em audiência pública, realizada pela ANAC (Nº 16/2011) e por e-mails a ela direcionados, inclusive de entidades internacionais como a Associação Internacional de Transportadores Aéreos – IATA, sobre as implicações observadas em diversos países do mundo, onde processos da mesma natureza ocorreram, implicando em sua maioria em aumento considerável das tarifas aeroportuárias pela iniciativa privada; os próprios trabalhadores, organizados no Comitê Contra a Privatização da Infraero – CCPI, realizaram representações junto ao Ministério Público Federal – MPF e Ministério Público do Trabalho – MPT, denunciando as irregularidades e consequências negativas do processo à população e à categoria aeroportuária, além de ingressarem, enquanto cidadãos, com ação popular, em Campinas/SP, para impedir o leilão.


Resta claro a inobservância – pelo governo federal – de princípios elencados no artigo 170 da Constituição Federal, para a preservação do interesse público, dentre eles: soberania nacional; defesa do consumidor e do meio ambiente; redução das desigualdades regionais e sociais; busca do pleno emprego; tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País etc.

Ora, o edital previa uma experiência mínima em movimentação de passageiros/ano e nenhuma empresa nacional atendia esse requisito, tanto que os consórcios foram constituídos com empresas estrangeiras, ainda que com participação acionária mínima, empresas essas que atuarão em zona primária de fronteira do nosso país, pondo em risco a soberania e segurança nacionais. Não foi exigido no edital movimentação mínima de tonelagem de carga/ano, criando um impasse para o país, já que os vencedores do leilão não possuem experiência nessa área de negócio (logística), enquanto a Infraero é detentora de prêmio internacional por excelência em gestão da carga aérea.

Não bastasse tudo isso, a vida pregressa das empresas participantes e vencedoras do leilão não foi levada em consideração no processo, ou seja, sua idoneidade, tanto que um dia após a efetivação do leilão, grandes veículos de comunicação revelaram o descumprimento de obrigações contratuais pelos integrantes dos consórcios dentro e fora do país, em contratos firmados com o poder público. Situação agravante se deu em Viracopos/Campinas, onde o poder público firmou contrato com empresas integrantes do consórcio Aeroportos Brasil Viracopos, levantadas na CPMI do Carlinhos Cachoeira como suspeitas de serem laranjas da Delta, sem prévia e rigorosa investigação a respeito, assumindo o risco de causar prejuízo ao erário e ferindo princípios basilares de nossa Constituição Federal: legalidade, moralidade, razoabilidade etc.

Enfim, consumou-se a privatização de forma atropelada, em seis meses, sem o planejamento necessário, com estudo de impacto e de resultados, sem a participação efetiva da população no aspecto político, seja por referendo ou plebiscito, com posterior “arrependimento” do governo federal, que inclusive assumiu publicamente o erro cometido com o modelo adotado, muito embora houvesse alternativas para a tomada de decisão, tais como a abertura de capital da Infraero, onde a empresa pública federal, responsável pela infraestrutura aeroportuária, figuraria como majoritária no negócio; também havia a possibilidade do governo federal adotar a Parceria Público Privada – PPP.

Não podemos deixar de considerar que o valor do arremate em leilão dos alusivos aeroportos federais sofreu um ágio, chegando a 24,5 bilhões de reais, importância que daria para construir três aeroportos iguais ao de Pequim, na China, começando do zero.

Agora, simplesmente, vem o governo federal e assume um erro sobre algo previsível e fica tudo por isso mesmo? Quem pagará a conta?

Sabemos que 80% dos investimentos virão do BNDES e 13% dos fundos de pensão do Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Petros, com juros subsidiadíssimos, coisa de pai para filho, o que fica até difícil de entender: vender o patrimônio público para pagar com dinheiro público, sem contar que a Infraero figura como acionária em 49% e também deverá investir proporcionalmente sobre aquilo que já era seu enquanto empresa pública! Não poderia a empresa pública federal emprestar do BNDES para o desenvolvimento do país na área de infraestrutura aeroportuária?

O fato é que nada mudou nos aeroportos e aquele caos aéreo, apresentado nos telejornais, já não existe mais, e como num passe de mágica está tudo normalizado, segundo o governo federal. Muitas das informações negativas do apagão aéreo, atribuídas à Infraero, não eram de sua responsabilidade, a exemplo do overbooking, de responsabilidade das Cias. Aéreas, e das filas em check in, causadas por omissão da própria ANAC em regular o setor da aviação civil, que demorou em adotar a medida de compartilhamento de estações de check in, sugerida pela própria Infraero.

Contudo, parece-nos ter havido um esforço desmedido para justificar a privatização, sem contar anos a fio da prática de apadrinhamentos políticos, em cargos estratégicos da Infraero, com pessoas geralmente descomprometidas com a organização e sem competência técnica-científica para alavancarem a empresa ao patamar necessário, em atendimento à demanda de infraestrutura aeroportuária no Brasil, para o presente e para o futuro, o que deveria ser pensado,  planejado e executado a médio-longo prazo.

O Sindicato Nacional dos Aeroportuários – SINA, antes mesmo de se consumar a privatização dos aeroportos federais em comento, já havia proposto alteração estatutária da entidade sindical perante o Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e do Registro Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Guarulhos, inclusive de seu nome, para Sindicato Nacional dos Empregados em Empresas Administradoras de Aeroportos, visando à representação dos empregados em empresas públicas e privadas administradoras de aeroportos, o que denota conhecimento prévio da privatização e atuação facilitadora do processo, corroborada pelo interesse claro em extinguir a greve dos trabalhadores em outubro de 2011, ocasião em que os aeroportuários exigiam um posicionamento do governo federal em não adotar medidas privatistas.

A privatização é uma realidade, um fato consumo, embora questionável juridicamente e politicamente, onde o governo federal assumiu um enorme risco de aumentar as desigualdades regionais e sociais do Brasil, em razão da interrupção dos subsídios cruzados, ou seja, do repasse de verbas dos aeroportos superavitários para os deficitários, fragilizando a própria sistemática de integração territorial de um país de dimensões continentais.

É natural que entregando os maiores e mais rentáveis aeroportos federais para a iniciativa privada, responsáveis por 70% da arrecadação, a rede aeroportuária gerida pela Infraero, ficaria fragilizada, e isso era previsível, tornando-se inadmissível a aceitação da justificativa do governo federal de que se tratou apenas de um erro e não de ato premeditado, passível de investigação rigorosa pela Polícia Federal e pelo MPF, com o devido encaminhamento ao Poder Judiciário para julgamento e condenação dos responsáveis, além de anulação do negócio jurídico em prol do interesse público e ressarcimento ao erário.

Recentemente, em entrevista intitulada "A Infraero precisa de choque de gestão", datada de 06/10/2012, o professor de transporte aéreo da Coppe (Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Elton Fernandes, afirma estar perplexo com as improvisações do governo nos aeroportos, pois com o modelo escolhido para os três primeiros aeroportos licitados, a gestora dos aeroportos, hoje superavitária, deve passar a ter deficit a partir do ano que vem. Fernandes diz ainda que o governo não conseguirá um administrador internacional que transfira tecnologia para a Infraero e defende um choque de gestão na estatal, ou seja, o melhor modelo seria ter uma boa gestão pela própria Infraero.

O que se sabe é que o governo ainda não definiu qual modelo será adotado para Galeão (Rio) e Confins (Belo Horizonte) e, segundo o Prof. Fernandes, ainda que conceda os dois aeroportos, se não melhorar a gestão da Infraero, será um desastre, porque o transporte não se dá somente entre os aeroportos concedidos, ou a conceder, mas em conjunto com todos os outros; ainda na opinião do Prof. Fernandes as empresas vão pegar dinheiro público e pagar esses compromissos todos (outorga, investimentos) e esperar a receita entrar para saldarem suas dívidas. Não é o dinheiro do governo de qualquer forma? “A privatização da Infraero é impossível de ser feita, porque grande parte dos aeroportos brasileiros é deficitária. Seria necessário um choque de gestão bastante forte na Infraero para mudar essa configuração. Não melhorar a Infraero é um absurdo.”, diz Fernandes.

Quanto à situação dos trabalhadores, o que se sabe é que o governo federal se pauta em acordos firmados entre o SINA, a Infraero e a SAC, cuja aprovação fugiu ao razoável, justamente pela deliberação ter ocorrido a nível nacional, quando deveria ficar restrita aos aeroportos privatizados, aos aeroportuários atingidos pela medida governamental, o que implicou em denúncia destes ao MPT.

As concessionárias realizaram, em meados de julho/2012, uma série de palestras junto aos trabalhadores, em cada um dos aeroportos privatizados, para apresentar seus megaprojetos e suas intenções, evento em que estavam presentes representantes da alta direção da Infraero (superintendentes, gerentes etc.) e representantes do SINA, enfatizando que migrar para as concessionárias seria a melhor solução, a mais viável.

Para nosso espanto, em 20/09/2012, o SINA publica em seu site, no espaço “Turbulência”, uma matéria orientando os trabalhadores a não aceitarem o convite das concessionárias, haja vista o fato delas terem recebido minuta de acordo coletivo de trabalho e, mesmo após um mês, não manifestarem disposição em negociar.

Fato é que não basta ao aeroportuário querer ser transferido para a concessionária, pois precisa aguardar se receberá o convite do novo gestor do aeroporto privatizado, gestor este que não possui a experiência da Infraero em operação de aeroportos, nas diversas áreas de negócio e de suporte de uma dependência aeroportuária (operações, segurança, comercial, logística de carga aérea, manutenção etc.), tampouco teve que comprovar experiência em operação com carga aérea, apenas e tão somente com passageiros e num montante bem insignificante (cinco milhões de passageiros/ano), frente à realidade atual e vindoura.

O próprio SINA também revela em seu site, no espaço Turbulência, que apenas 5% dos trabalhadores mostraram interesse em migrar para as concessionárias, mesmo diante da possibilidade de adesão ao Programa de Incentivo à Transferência ou Aposentadoria – PDITA.
Muitos empregados aguardavam por oportunidades de transferência para outros aeroportos e a Infraero, recentemente, resolveu divulgar um chamamento, com pouco mais de 1200 vagas para vários cargos, em diversas localidades no Brasil, para as quais se torna um risco considerável optar, quando já se tornou pública a intenção do governo federal de revelar seu plano de outorgas dos aeroportos somente após o 2º turno das eleições, por questão meramente política.

E mesmo sobre o estudo junto ao governo federal para realocação dos empregados em outros órgãos públicos, a situação continua indefinida, havendo apenas uma sinalização de que seria possível, só não sabemos se há a predisposição necessária a isso.

Em suma, o trabalhador da Infraero, que ingressou na empresa por meio de concurso público, hoje amarga indefinição quanto ao seu futuro profissional, sendo vítima - juntamente com sua família - de um processo de entreguismo do patrimônio público à inciativa privada, ao qual não deu causa. É o prêmio que recebe por ter ajudado a construir a terceira maior e melhor empresa gestora de aeroportos do mundo, com a maioria de seus aeroportos certificados pela NBR ISO 9001, além de outras certificações como a conferida ao Aeroporto Internacional de Viracopos/Campinas, em reconhecimento a Excelência da Carga Aérea.

Na realidade, sabemos que a Infraero não se extinguiu enquanto empresa pública federal e que irá continuar atuando nos aeroportos privatizados, sendo detentora de 49% das ações do negócio aeroportuário, ou seja, seria perfeitamente possível manter os trabalhadores atuando em Viracopos, Guarulhos e Brasília, se quisessem, mas pagamos hoje o preço de um ato inconseqüente do governo federal, de tamanha irresponsabilidade para com os aeroportuários, somado a postura omissiva de uma entidade sindical patronal e dos próprios trabalhadores, em sua maioria.

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